Veemência

    Expectativas? Inexistentes. O chamar incessante das chamas faziam-me vibrar; acalentar uma dor à muito passada. Vergonha. Desprazer. Medo. Meros palavreados se assimilados às sensações pulsantes no âmago de minha vaidade. Interior.
    Houve um desencadear. Um mar de sentires eletrizantes, porém cálidos e monocórdios. Meu fim culminou em fracasso.
    Nada bastava para calar este sofrer. Virava enlouquecedor. Enfadonho. Fazia-me desacreditar nos princípios à mim enfurnados num esgarçar de cólera. Num simples piscar. Não dava pra parar de imaginar.
    Cedi às tentações. Por que será? O nojo brota assim, num mero entonar.
    Estou confuso. Inseguro. Pertinente ao mal que assola minha existência.  Fará você algo para me ludibriar? Não aguento. Quero chorar.
    Percebo a inutilidade da arte. Sempre fora evidente aos pés de meus olhos. Não demorei aperceber.
    Ilusão. Não há paixão que me apraz. A mesma é pura e simples.
Vai.
Volta.
    Lamúrias. Beber com o olhar. Apreciar. Afundá-los no lago do viver.
    Contemplar. Muito devido. Confusão. Não é doce a alusão.
    Comédia. Todos seguem a ação. E no pico do cume incólume, encontram-se verdades. Turbulências desmitificadas ao ato verbal.
    Sim. A vida não faz o menor dos sentidos. O mundo. Pessoas. Que pensa que elas são?
    Desejo. Sempre fora o meu dissimular. Profundo. Belo e ímpar. Limitados pela compreensão. Tanto quanto a visão.

    Tudo no linear da aceitação.

Odeio-te.
Amo-te.
Adoro-te.

    Declaração. Um lado. Outro. Vigente nomeação.
Perjura-te na alma, aberração. Pois quero-te e abomino-te. Alucinação.

    "Por favor, me veja". "Por favor, me entenda". "Por favor, se surpreenda!".

    Tudo idiota. Tudo danoso. Tudo ilusão.

   

Uma Faceta entre Multidões

  Èra estranho afirmar. Sua boca seca de nada; transeuntes numa dança passadelicamente monocórdia e tediosa; a vida passando diante de seus olhos como um trem em câmera lenta. Não importava quão longo o era, a certeza de seu término inalava o doce cheiro do inevitável. Ah, e como odiava o inevitável. Repudiava-o com toda a educação inserida ao longo da vida.


Como odiava.

Dahvinci

  Chegou um dia no qual todos esperavam. Era o aniversário de Dahvinci, um dos mestres magistrais vigentes lá em Pastolago. E, como não era de se esperar, muitos vieram a cerimônia ('festa' não tinha muita apropriação para o caso) e trajaram suas melhores roupas. Não demorou muito para o salão quatro-paredes exageradamente grande e lustroso encher-se como a barriga de um gordo faminto.

  Mas. Algo aconteceu. Um estrondar súbito de porta rangendo o chão. Tudo se calou. O burburinho dos convidados, todos solenes e falantes (como qualquer festança da nobreza) fora rapidamente substituído pela tensão, quase palpável, irremediada de um ar silencial perturbador. Talvez você não compreenda o porquê. Bem, não estou com vontade de dizer.

  O sujeito que irrompeu a música e os fragores tinha uma altura considerável, embora nada ameaçadora, beirando os 1, 72. Dirigiu-se ao público de maneira bastante displicente considerando o patamar da comemoração. E, ajustando a gravata, falou:

- Eu sou Dahvinci, e ergui dos mortos...

  E o barulho recomeçou. Apesar de lá estar, vivo em pessoa, não deram a devida atenção.

  E assim termina a história incrivelmente tediosa de... vocês sabem.


O Desconhecido

  Um garoto bocejava. Ao lado dele, postava-se outro completamente diferente.

  Eis a questão: 

  Mmmmmmmm....

Brincadeiras

Ninguém gosta de brincar.
No fim das contas, criamos nossa verdade.
Ah, o mundo é ideal para brincadeiras.

Confusão Nominal

"Riem de mim à verdade do dizer. Troçam de mim ao querê-las esclarecer. Heh. Depois me chamam de louco.

Olham para mim, como um anormal. Crianças, afinal. Que dirá seus pais ao vê-las, ignorantes como o são? Nada. Nada. Nada. Não suporto-os desde então.

Rude. Arrogante. Perturbado. Não me incomoda ser eu estranhado.

A máscara cai-se em mil frangalhos. Não sei o que dizer. Quero meu refúgio. Me esconder.

Doente. Débil. Diferente. Ninguém entende meu alvorecer. Quero gritar. Delirar. Gargalhar. Qual o problema? Deixe-me transparecer.

Mas algo limita-me. Uma parede. Muro de castelo; sem princesas para salvar; sem dragões para montar; sem nada para voar. Tudo é errado. Pernas pro ar.

Em beleza não há preço. Interessante questionar. Pergunte-me o quê é belo, e te direi: "Observar."

Ah!, como é doce essa ilusão.
Viver é se iludir. Acredita?

Tenho certeza que não."


Mudanças

  Já pensaste antes em como a vida segue? Um permeio de pessoas; ônibus, escola, trabalho... Assim passou Kevin, com o tremer e balançar do transporte cilíndrico como companhia especial, num assento quase confortável demais. Isso se a maldita coisa não fosse dura como pedra.

  Tão logo que subiu, já descia do ônibus calorosamente entediante. Poderia pensar que seus dias se resumiam basicamente à isso: acordar, trabalhar, dormir. Sem contar, claro, as raras exceções que o destino diluia uma vez por mês.

  Não. Hoje seria diferente. Faria tudo que quisesse; gritaria, dançaria, pularia de alegria, reclamaria com o chefe; seria plenamente feliz usufruindo o gostinho da liberdade que a vida proporcionara antes da sociedade manipulá-lo com propagandas, notícias e situações apaziguadoras, muitas vezes, encorajadoras. Estava cansado daquilo tudo; isso era mais que evidente. Pra quê esperar? Então, em vez de descer as escadas do transporte público, como todos fazem, pulou. Um pequeno salto; uma grande sensação. Rapidamente duas ou três pessoas dirigiram olhares estranhados para Kevin, que nada se importou. Tudo estava aí!! Como demoraste tanto tempo para perceber!?

  Enquanto andava, varria num olhar aglomerados de pessoas, todas infelizes, algumas tristes, outras em carrancas... A visão era de embrulhar o estômago. Então, desatou à sorrir: peito estufado, colina erguida e sorriso no rosto. Uma luz diante aquele mar de seriedade avassaladora. Chegou do trabalho gritando ''Bom Dia!!'' em alto e bom som, acarretando mais olhares arregalados num momento; no outro, sorrisos de satisfação e balançares cabeçais, pensando: ''Que maluco!''

  Terminou o dia raiando a mesma expressão magnética; consagrando-se interminavelmente sua postura inexpugnável. Àquele, sem dúvidas, era só o começo do que via pela frente.

Meio do Nada

  Não se lembrava da última vez que havia comido. Carne, peixe, frango... Só de pensar sua boca salivava. Mas, agora, era morrer ou viver.

  Deu um passo. Suas pernas latejavam e tremiam com o impacto do simples pé-ao-chão. Não era frio; calor não faltava. Era ele.

  Outro passo. O calor massacrava impiedosamente o homem, gasto de valores e vinganças no passado. Logo, parecia justo estar no meio do nada, num deserto semfim, tudo por causa que resolveu fazer um passeio turístico. Os turistas nunca foram respeitados, em todo caso.

  Volta e meia, àquela dor, cansaço crônico e fraqueza incontestável não passava de  um grão de areia num maldito caminhão de caminhoneiro. Poderia ser tanta coisa... Talvez Deus tenha mesmo  julgado-o por suas ações. De onde sairia tanto azar? Foi um pensamento bem frequente em busca de sua sobrevivência. E, por fim, uma lesma seria mais rápido que ele.

  Mais um passo. A areia escaldava em seus pés nus sob as caretas de dor, tão acostumados com a vida boa que poderia estar numa frigideira gigante, e não faria a menor diferença.

  Então, olhou uma última olhada.

  "O meio do nada..."

  Se se jogasse no chão, seria uma morte lenta e dolorosa. Se parado ficasse, cedo ou tarde, iria desabar. E agora? O que faria?

  Não sabia.

Uma Viajem Inesperada

  Justiça. Para Stanley Calfrord, um termo bastante liberal.

  Em torno de 5 anos, já sabia exatamente o que queria ser. Aos 7, seus pais cederam em apoiá-lo num sonho. De criança, repetiam. Mas aos 17 anos, solucionava casos como ninguém. 

  - O melhor policial do mundo - já dizia aqueles velhos bajuladores. - Ah, se é.

  Mas, quando chegou seu 18° aniversário, foi para a França.

Neve

  Neve. Bela de se contemplar.

  Seus delicados flocos pareciam cair das estrelas naquela noite de lua cheia, disseminadas pela vastidão do céu, esculpidas com tamanha perfeição que, ao vislumbrá-los bem de perto, custoso era respirar. E quando acorrentar os pulmões já não era mais opção, o mesmo se libertava, moldando e empurrando vapor dos lábios, como névoa à soprar, esvoaçando-a para, depois, repousar com seus irmãos; aglomerados num parque sem nome, sem multidão, sem confusão.

  De quando em quando, uma criança juntava-se àquele espetáculo, sonegando entre uma macia camada de neve. A mesma trajava-se dos pés à cabeça; dois suéteres de lã sobrepostos num quente casaco-de-peles cinza-prateado, lindamente atado num matagal de pelos entre o pescoço, de suave roçar.

  Não desejava menos que lá continuar.

  E continuou.

  Ora mais tarde, cristais de neve dormitavam em seus curtos cabelos acastanhados.

  Ora mais tarde, o sossego acalmava sua alma; e aqueles olhos-dravita, plenos de inocência e intriga, cessavam vagarosamente como um pôr-do-sol.

  Ora mais tarde, aquela menina lá continuou.

  Até que acordou.

Voar

  Bateu uma emoção muito forte nele. Seu pai estava bem na sua frente! Mas, repentinamente, criou asas e voou.

Desejo Singelo

  Quando criança, Kevin sempre desejou um brinquedo. Passados 10 anos, ainda tinha este desejo.  Mas, todavia, não conseguiu. Infelizmente.

Um Leve Engano

- Você tem certeza disso? - já dizia Gray, num tom que sugeria zombaria.

- Alguma vez já brinquei, Gray? - apontava Gerold, um cara sério e nada, nada divertido. Não culpava-o: se não fosse assim, nunca seria seu melhor amigo.

- Talvez seja por isso que nunca foi inibido.

- Talvez seja por isto que não leva nada á sério. - Levantou-se de um jeito nada calmo. - Cresça primeiro. Fale comigo em segundo - e foi

  Espera. Teve de pensar: Gerold acabou de sair da sala e falar para crescer!? Aquilo era, no mínimo, estranho de sua parte. Talvez significasse que o que ele diria é importante. Não fazia ideia, ademais.

- Eu também te amo - gritou. Um sorriso branco delineou-se de seus lábios cheios, com dentes tortos para quer que onde passava a língua. Nunca se importou com isso; achava até mesmo um belo toque exótico em sua aparência infantil: olhos grandes e escuros como duas pedras d'ônix, sempre residindo diversão, embutido num rosto pálido cor-de-neve.

  Os passos fortes de Gerold saíram dos ouvidos de Gray, afinal. Ainda bem. Pulou na cama velha e cheia de ácaros, num suspiro prolongado de alívio.

- LIBERDADEEEEEEEEEEEEEEE- gritou em alto e ótimo som. Todavia, o som transbordava felicidades.

  De repente, notou rápido demais as passadas no teto. Prendeu a respiração; acelerava o coração; um despejo de emoção.

  Tinha que sair dali. Rápido.

T.V.

  Palavras surgitavam flutuando, voando e entrando nos ouvidos alheios de telespectadores aparentemente ordenados. A imagem reproduzida causava uma fascinação; como um bailarino dançando balé na esquina. Era a famosa televisão.

  Engraçado era àquilo tudo. Mark via TV com a mesma facilidade que respirava. E, ironicamente, este fora seu maior erro. Sim:

"Sou um palavreado de emoções, pecados e angústias sem tradução.

 Sou um chaveiro; portas não me param, mesmo a chave mais difícil à criar.

 Sou uma prosa que não consegue se encaixar".

  Viveria assim. No fim, gostava do velho Mark.

  Afinal de contas; feliz tornou-se.

  Havia algo melhor?

Retração

  Como se o mundo ao seu redor sequer existisse, Carl movia-se tranquila e confiantemente; afinal, problemas não existiam para ele. Deus lhe abençoou com uma família rica, boa e qualificada. Não tinha procupações. O único que estava acima do rapaz era Deus. Olhava aqui; onde pobres mendigavam dinheiro. Olhava lá; onde brigas ocasionais aconteciam de mês em mês. Olhava acolá; pessoas aparentemente tristes, como carrancas indo e vindo. A situação deles? Pouco importava. Largava o dane-se para tudo e a todos. "Sou o dono do mundo", pensou Carl, quase que sem querer. Todavia, era verdade.

  Sob o barulho frenético de carros, ônibus e uns tantos caminhões, Carl avistou uma cafeteria típicamente comum; isto seria divertido. Com os raios de luz petulantes cutucando seus cabelos claros, jogou-os para trás e para lá foi, nem tão lentamente, nem tão rápido demais. "Sem pressa, Carl. O mundo não vai acabar", pensava, sorrindo descontraidamente enquanto se aproximava da vitrine da cafeteria.

  Não durou muito tempo. Um homem, de estatura comum, com rosto comum e de aspecto comum, franziu as sobrancelhas ao vê-lo. Um riscar de fúria quase imperceptível passou pelo seus olhos por um décimo de segundo.

- Ou! Você não é aquele cara do bar da noite passada? - indagava o homem, em alto e bom som.

  Definitivamente, uma oportunidade. 

- Sim, eu também o conheço. Mas, deve me desculpar por eu não ser muito bom de memória. Qual era seu nome? - começou Carl. "Conheço você". Seu nome era Jason Smith; lembrava de ter humilhado-o na frente de toda sua loja, roubando sua namorada. "Ex-namorada, na verdade". Sorriu. A lembrança trouxe-lhe boas recordações; mas não tão boas à ponto de tranquilizá-lo por completo.

  E, passando por aventuras e desventuras; convenceu-o de que ele tinha se enganado, de que àquilo não passava de um simples mal-entendido. Fácil.

  "Esperteza está em falta, huh?", pensava, deliciando-se.

  E continuou fazendo a mesma coisa; três vezes ao dia. E, num piscar de olhos, não se encontrava nas ruas, nas lojas, em lugar algum. E sim, em casa, sob seus quentes cobertores e confortável colchão.

  Sentia-se só.

Desafio

  Um punho atravessou sua barriga rápida e fortemente; impulsionando seu estômago de maneira à fazê-lo amassar como uma lata de refrigerante espremida. Com este único soco, Jonh ficou simplesmente incapacitado, sem ar, debilitado. O oponente entendeu claramente a mensagem, pelo que parecia.

- Paramos por aqui - disse Jack, seu irmão com quem lutava, em meio à voz afobada e corpo cheio de suor; ele era boxeador profissional, afinal; não era vergonha perder para ele.

- Foi sorte - disse Jonh, sorrindo meio de desgosto e meio de orgulho. - Não devia ter escolhido boxe, droga.

- Você fede - bincou Jack, tirando as luvas. E sorriu. - Tome um banho.

Traição

  A animação contagiava Zack intensamente. Ficou tão feliz que gritou, xingando e batendo com tanta força na mesa que a mesma chegou à tremer!! As pessoas que o rodeavam, marginais, apostadores e criminosos, praguejavam em desgosto, franzindo e atacando-o verbalmente numa língua qualquer estrangeira.

- Zack Couldroom - seu amigo proclamou; um homem calvo de aspecto gentil e astuto -, parabéns. Ganhou a aposta de hoje.

  Era quase estranho imaginar que o melhor momento de toda sua vida foi ganhar uma aposta de um milhão de dólares em dinheiro; apesar de Zack não ter um dólar no bolso. Mas, do mesmo modo, deliciou-se. Ah, e como...

  Não falou. Sua reação era cem por cento transparente, mas não falou. Sua felicidade quebrou como o barulho estridente de vidro estilhaçando-se quando notou um detalhe. Não era dinheiro vivo. Era cheque.

- Ou ou ou, calma aí. Prometeram dinheiro vivo, Bill, esqueceu? - disse Zack, rindo nervosamente. O lugar parecia ter esquentado um pouco.

  Bill arqueou as sobrancelhas:

- Mentimos, Zack - disse seu amigo de infância normalmente, sorrindo sob o chacolhar da ensurdecedor da multidão. Parecia, pelo menos. - Não é nada pessoal, Zack. Mas... Todo esse dinheiro? Pra você? - apontava. - Não não não. Você... Não. Todo mundo sabe; você não tem conta no banco, no inferno, em nada. E sei também que gastaria tudo com... irresponsabilidade, correto? - virou a cabeça, sussurrando palavras para outra pessoa; um homem negro, alto e de porte admirável. Voltou-se para seu ex-amigo. - Entenda como uma cortesia, sim? - Bill se retirou, lenta e casualmente, guardando o cheque em seu bolso.

  Ele gostava de trair. Mas ele gostaria de ser traído?

- Cinco minutos - murmurou para si mesmo. - Em cinco minutos, vai precisar de uma boa proteção. Ah, se vai - e assim, cerrou os punhos peludos.

  Iria arranjar uma boa briga.

Mesclagem

  A fome avassalava de uma forma indescritível em Will, desejndo singelamente algo para comer. Mas não podia, pois estava numa sala de espera entediante, com uma atmosfera entediante e pessoas que também esperavam por uma consulta entediante. "Merda. Devia ter marcado pra sábado...", pensava Will Manhuntyng, de origem européia; não é difícil observar seus intensos olhos azul-esverdeados. Uma cor tão viva; capaz de chamar atenção de todos os presentes naquèla estúpida e mil vezes infernal sala de espera. "Não tem nada melhor pra fazer do que me encarar, velha bexiguenta?", imaginava Will ao notar uma idosa enrugada fitando-o estranhamente. A cena era, de fato, esquisita. Como era.

- Will Manhuntyng Abstard - chamou a secretária, pronunciando seu nome péssima e curiosamente. Despertou nele uma imensa vontade de correr para àquela coroa e estrangulá-la até seus olhos saírem, mas em vez disso, sorriu. Levantou muito rápido, avançando à passadas largas e ecoantes de encontro à coroa gorda, chamada também de "secretária do consultório".

- Aqui, senhorita... - seus olhos intensos procuraram um crachá - Annabelle.

- Tem consulta marcada, senhor Abstard? - indagou a coroa, inclinando a cabeça.

Will limitou-se a sorrir com um ódio profundo:

- Claro. Se não, por que estaria aqui esperando sete horas sentado nessa droga de estabelecimento, madame? - Seu tom foi forçado, rápido e cortês, apesar de ter deixado transparecer a fúria.

- Oh.. - riu a velha -, sinto muito, senhor. Nosso estabelecimento é um dos melhores do país, senhor... Abstard - pronunciou seu sobrenome de maneira bárbara, soando grave -, posso te chamar de Will? - e sorriu.

"Era só o que faltava".

- O assunto que vou conversar é urgente, senhora. Talvez outra hora...

- Outra hora - concluiu a secretária, apoiando o queixo numa das mãos gordas. "Como odeio ser educado", pensava, enquanto longas passadas eram dadas.  Quanto mais longe daquela secretária, melhor.

  Chegou numa porta incomum; parecia mais robusta que as outras. Havia um aspecto majestoso nela quando viu alocado o nome "Robert Stranghs" escrito em itálico, dourado. "Os anos não envelheceram esse idiota", pensou, sorrindo como se se boas lembranças serpenteassem sua cabeça. "Calma. Ele não será o mesmo, Will. Não será". Respirou fundo, encheu o peito, ajeitou a gravata bege e foi. A porta abriu-se num "click" quase sussurrante.

- Não mudou nada, Robert - disse Wil.

  Mas, em vez de ser bem recebido, seu prêmio foi uma carranca de desdém. Robert Stranghs era pesado e corpulento, mostrado num terno elegante e sofisticado; formal demais, pareceu à Wil. Não lembrava de tê-lo visto sem barba, mas via agora. Parecia ocupado, mexendo com papelada, escrevendo e assinando.

- Tem hora marcada? - Não fitou Wil uma única vez além da recebida ao entrar.

- Vim para um propósito, Robert. Não brinco no que digo. Nunca brinquei.

- Ah, jura? - entoou sua voz grossa à Wil -, que pena. Seria melhor se nunca fosse - Levantou a cabeça, olhando para o mesmo. Sua face resplandeceu num largo sorriso amarelo. - É assim que trata um velho amigo!? Venha, Willy, e me dê um abraço daqules bem fortes!!

  Isso, definitivamente, não era para ter acontecido.

Anjo

  Não havia percebido nada. Para ele, nem uma mísera hora passou. É claro!! David não estava lá à tanto tempo assim. Duas, três... quatro horas. Que tem isso? Afinal, não tinha porque resistir aos prazeres que a vida proporcionava. Pensava assim. Estava certo. Ah, se estava.

  Até que o maldito correu escadas àcima, atirando-se da janela do segundo andar, sorrindo, rindo e feliz. 

  Mas o bendito menino voou, recriando asas de anjo e viajando para o céu para conhecer Jesus e seus anjos da guarda cristã.

(THE END)

Memórias

  Três. Não sabia dizer; a única coisa que sabia era que permaneceu ali por três. Sómente e apenas três. Anos? Meses? Dias? Não sabia. E, de certo modo, saber não queria.

  Então, hesitante se ergueu o rapaz, pousando os pés morenos no piso frio do hospital. "Talvez isso nem seja mesmo um hospital", imaginava, sentindo um frio quase sobrenatural rodear seu corpo liso, magro e jovem. Todas as suspeitas foram rápidamente compreendidas quando percebeu que se encontrava sem roupas. Pior: não havia peça alguma; escapuliu um xingamento em voz alta.

  Entretanto, havia medo implantado em seu ser. Tinha medo de sair, medo de ver o diferente, medo dos médicos, especialmente. Poderia ter perdido a memória; poderia ter uma doença mental; poderia estar ali por qualquer coisa, e boa não era.

  E então, àquele cujo não sabia o próprio nome, não gritou, não falou, não piscou. Apenas saiu daquele lugar horrível. Não lembrava como, mas fugiu. Mas, agora que pensava, não era tão ruim assim.

  Agora, vendo o que ele é, o que ele fez, o que ele se tornou... Francamente, estava convencido. Devia ter permanecido.

  Enfrentava dificuldades demais agora. Antes, simples era.

  Viveu com esse sentimento a vida toda. No entanto, isso passou.

  Era livre agora. Nada poderia tirar isso dele. Infelizmente, compreendeu tarde demais.

  Ah, que pena.

 

Dr. Thomas S. Anderson

  Um longo bocejo prosseguiu após o corpo peludo de Tom se esticar preguiçosamente nos lençóis desarrumados de seu colchão usado; com as pálpebras fechadas. "Preciso levantar... mas está tão bom...", pensava, acostumado com o comportamento periódico. Afinal, era esforço demais, não duvidava. Mas precisava, querendo ou não.

  Por fim, se ergueu como se fosse feito de palha, cambaleando até o banheiro que, por sinal, precisava ser limpado. Abriu os olhos cheios de areia, encarando o reflexo de seu espelho; um rosto nada mais nada menos que comum, com olhos castanhos encovados, barbeado e bastante sóbrio, se bem que agora parecia mais um bêbado desmiolado. "Feio", foi o único pensamento de Tom depois da ducha gelada que se seguiu.

  Vestiu um terno preto, alocando a gravata vermelha em seu pescoço com as mãos hábeis e experientes, sem, claro, esquecer o paletó. "Mais um dia... Deus me ajude", pensava novamente, fitando o espelho enquanto penteava cuidadosamente o negrume de seus cabelos curtos para trás. Pelo menos, tinha cara de homem. 

Treinava frequentemente seus pensamentos, fingindo-se de idiota para nossa querida sociedade. Pois, bem sabia, era inteligente demais. Aprendeu da pior maneira possível como a vida é implacável para pessoas de intelecto, caráter e conhecimento acima da média.

- Muito sábio de sua parte, Thomas - disse um velho amigo de sua adolescência ao constatar para o mesmo, rindo. - Onde aprendeu isso?

  Tom simplesmente sorriu enigmáticamente, tocando e destocando sua testa com o dedo indicador rápidamente:

- Conhecimento, Erik. Conhecimento.

  Conhecia em excesso a sociedade. Oh, se conhecia.

  Saiu de casa com pressa forçada, sem esquecer de trancar a porta. Havia muitos bandidos, ladrões e sabotadores rondando pelas ruas; segurança nunca éra demais. Com seus sapatos lustruosos e elegantes, foi andando ao seu trabalho de sempre, como um homem bem sucedido; claro, sem esquecer da carranca à transparecer naquèla faceta simples, limpa e dissimular.

- Advogado, maduro, cortês... Um bom homem - já dizia uma das colegas de trabalho de Tom, terminando seu relato da primeira impressão para um grupo de outras mulheres. Amigas, provavelmente. - Só achei ele muito sério... banal, sem graça... Vale a pena? - E Thomas, fingindo não ouvir absolutamente nada, não conseguiu segurar sua rica gargalhada, acarretando olhares estranhados por parte das mesmas.

  Adorou isto.

  Estava tendo êxito, no fim das contas.

Sonhos

  Sath sorriu:

- Para com isso. Sério.

- Me fala pra parar sorrindo? Tenho cara de idiota, Sath?

- Lógico. Também é bem verdade que eu ria depois de você dizer pra eu fazer uma coisa dessas, Lewen - dessa vez, não sorriu. - Me deixe sozinho.

- Pensar. Você adora pensar - disse Lewen, aborrecido. - Se eu tivesse um único desejo, iria querer nunca ter te conhecido. - Num longo suspiro, saiu andando, com seus passos chicoteando o chão, um tanto apressado demais.

"Frio", pensou Sath, "Muito frio". 

  Deitou-se no banco de madeira, com as mãos entrelaçadas contra os espessos cabelos ruivos, sentindo frio. Levou alguns minutos para associar os pensamentes dos sentidos. Quase gargalhou, mas um bocejo interrompeu a mesma. Perdeu a graça.

- Mais um dia... - sorriu descontraidamente -, pena que esse não foi o meu.

  Fechou as pálpebras, repousando, enquanto homens de negócios, mulheres grávidas e muitas outras pessoas iam, vinham e davam-lhe olhadelas, curiosos.

  E então, pôde apreciar o maior prazer de seu dia.

  Sonhar.

Fugitivo

  Um riacho de dúvidas atingiu Steven enquanto repousava; debruçado na grama verde, macia e aconchegante. Uma sensação de harmonia enchia-lhe da cabeça aos pés, amando cada minuto disso tudo; fitando a mais extraordinária das visões de seus olhos safira: a floresta além do jardim culminado de coloridas flores.

- O mundo é engraçado... Um dia estamos tão tranquilos; mas noutra hora, coisas ruins acontecem. Pena não ser eu quem possa fugir disso - murmurava o rapaz, 

  O sol batia nos olhos azul-escuros de Steven com seus punhos brilhantes, ao passo que o vento eclodia de lugar nenhum, sussurrando para os galhos de árvores Pau-Brasil. Um lindo dia. Um lindo jardim. Um lindo céu. Tudo era tão perfeito quanto devia ser. Se os momentos durassem para sempre... 

  E o tempo passava. Logo, uma hora passou... Duas... Três... E Steven ainda contemplava tamanha beleza. Mas devagar escurecia; lento o sol descia e rápido a noite emergia. Que pena!! Podia apostar que morreria feliz, se é que o momento chegaria tão depressa.

  Os pássaros calaram-se; a lua subiu e o rapaz de cabelos d'ébano saiu. Atrasado estava; não podia perder mais tempo. E logo correu dali, desejando avidamente que ninguém tivesse suspeitado de sua breve ausência. "Breve... Estou ficando louco?", pensava, ainda correndo por sobre as árvores acizentadas numa estrada íngreme de mármore, "Fiquei lá a tarde inteira. Que Deus me salve do que meu pai vai fazer comigo".

  Logo, avistou uma mansão colossal, e ali parou. Resfolegava pesadamente ao enfim chegar na escadaria de seu lar. O suor enchia seu rosto, de quando em quando entrava em seus olhos, resultando num arder suportável, mas desagradável. Escapoliu uma praga ao ver o estado de suas roupas caras. "Sujo, suado, morto... Estou fodido". Mas pensar nada adiantaria. Subiu o resto das escadas e foi de encontro ao portão do tamanho de uma casa comum, d'ouro maciço, complementado com um sino do mesmo material. Tocou. "TlimTlim Tlim!!", ecoou. E, ao abrir, ele entrou.

                                                      ...

  Antes que percebesse, Steven estava sentado numa poltrona tão macia quanto a grama daquèla tarde, de banho tomado, cabelo penteado e coberto por um cobertor de veludo; tomando uma xícara de chocolate quente enquanto a lareira crepitava ao seu lado. Relaxante, poderia dizer, mas não tranquilo. 

  Então, um homem baixo e esbelto, com um elegante e farto bigode dourado entrou nos aposentos de Steven Selthigar Nardus. Tinha um aspecto finíssimo, de inconfundível nascimento, e conservava bons modos ao sentar, cruzando as finas pernas, na poltrona ao lado.

- Filho. - Sua voz era grave, comparado à sua estatura.

- Pai. - Saudou Steven e, de repente, percebeu que o quarto ficou mais quente do que deveria.  

Passagem

  O vento soprava forte na madrugada desta noite. O cheiro, típico das ruas de Maladry, capital do Reino, era de esgoto; um odor forte de matar insetos. Lune, todavia, olhava à toda volta o bairro deserto, desejando imensamente voltar para casa. Oh, se desejava.

  Volta e meia, começou a andar mais rápido, amedrontado com o súbito cessar da canção dos grilos. Uma sensação de impotência o levou a questionar se tudo isso valia mesmo a pena. Parou. Ainda podia voltar. Não era tarde demais, afinal. Tinha a chance de ser um cara normal, com uma garota normal e ter uma família como toda pessoa normal. 

  Não queria isso, no entanto.

  Continuou, encontrou e se apoderou do poder dado à Lune.

  Até que imaginou:

  "Arriscado demais"

O que é Arte?

  Hoje à tarde, estava lavando a louça, todo animado. Cantava uma música que gravei em minha cabeça, para livrar-se do tédio que era lavar aquela montanha. Mas, de súbito, um pensamento vagueou pela cabeça como um raio: "O que é arte? É simplesmente desenhar, atuar, escrever?" Não perdi tempo. Terminei rapidamente e fui pesquisar na internet.

  Mas, ao pesquisar, me encontro com um tópico interessante à primeira vista: Como fazer arte. Franzi o cenho, estranhado. Como assim "como"? Para arte, não havia receita. Arte é emoção, paixão, dedicação.

  O blog explicou uma rotina. 30 à 50 minutos desenhando por dia; ser paciente; começar pegando mais leve, para depois adornar o desenho com mais detalhes. Toda uma rotina, como um passo a passo. "Um absurdo", pensava. Sei que você, leitor, pode não estar convencido. "Uma criança como você dando lição de moral? Ah, vai brincar de amarelinha. Vai jogar bola". Vivenciei isto de perto. Pensei. Refleti. Fiz analogias. E cheguei à uma conclusão:

  Arte não é nada mais nada menos que pura emoção. Darei um exemplo:

  Há dois pintores talentosos. Um almeja o sucesso. Outro, a realização. Um sonha com fama, riqueza e admiração. Outro, almeja o prazer que a arte de criar proporciona; pintar; não com uma imagem na mente tentando reproduzir, mas sim, com a intuição, sem nada planejar, apenas sendo guiado pelas mãos peculiares dos sentimentos; seja de raiva; seja de alegria; seja de tristeza.

Mas e o outro pintor?

  Este pintará, planejará, pensará. Transformará a imagem dentro de sua cabeça no papel!! Com muita dedicação, ele criará pinturas como ninguém!! Adornada de detalhes minuciosos, quase reais, se este for seu objetivo. Terá fama, terá riqueza, terá admiração. Afinal, ele é um artista. Ele ama a arte. Sempre amou.

Mas e o outro?

  Este talvez não consiga tudo isso. Talvez fique na pobreza; para sempre. Talvez não tenha um respingo de admiração por parte de outros, por sua arte ser diferente, estranha, exótica. Talvez ele esteja perdendo tempo, visto que não olham-no convencidos.

Não confunda arte com paixão.

  O vedadeiro artista nunca quer ter. Ele é. Todos no mundo inteiro podem se virar contra ele, mas nada o influenciará. Pois este é seu modo de se expressar.
Detém um amor profundo diante da mesma. É como sua segunda esposa; seu segundo filho; sua verdadeira amiga.

  O verdadeiro artista não tem medo das críticas da sociedade que vivemos. Pelo contrário; ele molda-a. Ela cria. Ele faz acontecer.

  O verdadeiro artista é louco. É diferente. É perigoso. Pelo simples motivo de ser. Compromete o mundo inteiro diante de sua criação.

Ele é egoísta. Ele é inconfundível. Ele não têm fim.

Mas, e o outro?

  Este achará difícil de compreender, senão impossível.

                                                                         

 






Meu Conto

  Ninguém gostava de Elyse. Ela não compreendia por quê. Os olhares que eram-lhe enviados; cheios de estranheza, repulsa e ódio, perseguiam-na a cada passo, a cada atravessar de portas, a cada escadaria que subia. Sentia esses olhares; e tudo que podia fazer era aguentar. Mas não conseguia. Abaixava a cabeça, evitando contato, como que se sentisse inferior.

  Ela se encolhia quando fitavam-na. Aqueles olhos eram como facadas em seu estômago; odiava-os. Se fosse feia, tudo isso seria resolvido, mas Deus deu-lhe um rosto bonito. 

  Na escola, era diferente. Enquanto muitos iam e vinham fazendo a maior algazarra, Elyse ficaca quieta, curvada e praticamente imóvel na sua cadeira. Odiava isso também; queria muito se socializar, fazer amigos, ser feliz... Mas simplesmete não conseguia. Queria, mas não conseguia. Travava. E, quando não, achava-se uma completa tola, burra e enrolada.

  Nunca falava alto. Sempre baixo. Qualquer coisa, seja por reprovação dos professores, seja por zoação dos colegas de escola, seja por tudo. Não conseguia segurar as lágrimas; fazia o seu melhor, mas nunca era o bastante. Muitas vezes não fazia nada, e mesmo assim todos insistiam em brincar, zoar, falar.

  Mas um dia, se apaixonou. Era um rapaz alto; magro e bonito. Admirava-o por ser tão extrovertido, esbaldando confiança e segurança. E, logo essa admiração tornou-se algo a mais.

  Olhava de soslaio sempre que podia para ele. Logo, Elyse descobriu que seu nome era Nathan. E, no fim das contas, nunca teve coragem de falar
com ele.

Um ano se passou. Dois. Três. Era quase uma mulher, e ainda cultivava essa paixão. 

Mais um ano se passou. Dois. Três. E era já uma mulher, ainda apaixonada pelo mesmo homem.

Anos, anos e mais anos se passaram, e ela não podia mais viver sem ele. Vestiu-se, maquiou-se e foi, com o coração badalando forte em seu peito.

Pensava no que dizer, no que fazer, no que temer. Nada poderia estragar aquele momento. Nada!! Absolutamente nada!!

Elyse, enfim, o encontrou. Jazia sentado num banco, próximo à uma árvore e à sua casa. Apesar de ter passado dos trinta, conservava a beleza, jovialidade e charme de antigamente. Seu coração bateu mais forte, e sua barriga, doia de tanta ansiedade. Ele estava lá, na sua frente, olhando o horizonte. Nada a atrapalharia.

De repente, caiu de joelhos, e começou a chorar. Salgado era o gosto das lágrimas, e amarga era sua falta de coragem. Precisava ir. Precisava. 

E ela foi.

Mas, quando menos esperava, uma mulher, muito mais bonita que ela, corria aos seus braços e o beijava intensamente.

Uma dor indescritível quebrou-a. 

Correu para casa, para o sol, para a rua. Para qualquer lugar, menos àquele.

E então, atirou-se ao mar; esperando afogar sua amargura. Sua dor insistente. Seu coração partido.

Elyse mergulhou num sono eterno.

                                                                                        -- Fim.



 

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